É isso mesmo que eu ouvi? Escrever uma carta à mão para um amigo secreto e ainda ter que colocar nos Correios? Que trabalhão! Ainda mais nos dias de hoje onde tudo é mais lógico, eficiente e rápido, por que não enviar um e-mail, uma mensagem pelo Whatsapp, algo padronizado e discreto?
Uma carta sem envolvimento, sem zelo, sem alma. Este é o ponto: um conteúdo sem alma. Porque é na escrita que registramos quem somos, nossa emoção verdadeira, nossa personalidade, sem corretores automáticos, facilidades como o copia e cola, deleta ou, ainda, a opção de guardar nos rascunhos para quando a emoção estiver mais controlada.
Estudo grafologia há quase dois anos na Escola Grafologia Brasil e, em dezembro do ano passado, fomos estimulados a participar de uma brincadeira de Natal, que foi escrever uma carta à mão para um amigo secreto. Simples assim. Simples? Será? Mas o que escrever? E esse contato mais íntimo com quem eu não conheço? E esta imposição de ter que escrever à mão, contra os costumes atuais e ainda ter que caprichar na letra... vai que a pessoa me julgue pela minha letra não tão bonita.
É curioso olhar para a própria letra, dedicar um tempo nisso. Porque ela é tão nossa. É algo tão pessoal, é a minha letra e por meio dela é possível me identificar. Não preciso colocar o meu nome na redação, a reconheço entre centenas de outras escritas. E pasme, as pessoas próximas a mim também reconhecem.
Agora o outro lado da história, como fiquei na expectativa, aguardando a tal carta do meu amigo secreto e como eu fiquei feliz quando ela chegou. Algo tão simples e ao mesmo tempo, por ser tão única, é tão preciosa. Além do fato que a minha amiga secreta é uma profissional que eu admiro e ainda ela teve o cuidado de colocar um bombom dentro do envelope. Me senti acarinhada.
Lembrei das cartas que eu recebia e que guardava com todo o cuidado e num momento de raiva e desapego acabaram numa grande fogueira. E as cartas de amor, quanto saudosismo! Lembro da carta de um namoradinho, o papel delicado, a letra fininha, pequena... Lembro da letra dos meus pais, das minhas irmãs, das tias da cidade de Castro. Lembro da minha letra. Fiz muita caligrafia na escola e já adulta a minha mãe dizia que a minha letra parecia a de uma pessoa iletrada. Aquilo me magoava, porque eu admirava a letra dela e a das minhas irmãs.
Quando comecei o flerte com a Grafologia há alguns anos, lembro de reescrever os recadinhos para as analistas de seleção, preocupada, preocupada não, mas caprichando na escrita para manter uma certa reserva evitando qualquer tipo de análise.
Escrevo praticamente todos os dias, à mão! Minha agenda é um caderno universitário onde as primeiras atividades do dia são escritas de forma organizada, limpa e legível. Durante o dia o movimento e a velocidade vão tomando conta, a letra personalizada vai predominando, os ângulos vão se sobressaindo, reflexo da agitação e intensidade do dia.
É curioso perceber como as emoções refletem na escrita. Quando estou tranquila a letra flui de forma organizada e clara, os espaços entre letras, palavras e linhas se mantêm de forma constante e harmoniosa. Quanto estou brava, irritada, tudo isso se desorganiza quase num gesto reflexo. Assim como quando me sinto pressionada, a pressão da caneta na folha e a velocidade se sobrepõem. Embora com estas pequenas discordâncias, os signos gráficos se mantêm: os ângulos de Moretti, a forma da letra “g”, o golpe de sabre, o arpão, as guirlandas e a assinatura legível.
Tive uma tia querida que intuitivamente me aconselhava a escrever quando estivesse com raiva. Lembro de praticar este exercício após a separação, quando a emoção estava à flor da pele e precisava extravasar. Pura emoção!
Uma vez que a escrita é uma atividade exclusivamente humana e Pulver já dizia que a mão escreve e o inconsciente dita, vejo o ato de escrever à mão como um presente único que permito entregar a quem é importante para mim.
Leitor, convido você a retomar o hábito de escrever à mão, vem comigo, vamos nos empenhar para resgatar algo tão especial! Fica aqui o compromisso de promover e exercitar este hábito na família, com os amigos, no trabalho, como forma de deixar a nossa marca e adentrar na alma de quem escreve à mão.
Hélène Barolo, curitibana, especialista em RH e entusiasta pela Grafologia.
Membro estudante – 22 - AGGBR